Dispõe o artigo 877º do CC o seguinte:
- Os pais e avós não podem vender a filhos ou netos, se os outros filhos ou netos não consentirem na venda; o consentimento dos descendentes, quando não possa ser prestado ou seja recusado, é suscetível de suprimento judicial.
- A venda feita com quebra do que preceitua o número anterior é anulável; a anulação pode ser pedida pelos filhos ou netos que não deram o seu consentimento, dentro do prazo de um ano a contar do conhecimento da celebração do contrato, ou do termo da incapacidade, se forem incapazes.
Este preceito legal visa, indiretamente, regular relações familiares.
A origem da consagração legal deste normativo é a proteção da legítima dos descendentes, visto que o ordenamento jurídico cedo percebeu que este tipo de negócios mereciam especial atenção. Em primeiro lugar porque muitas vezes eram realizados estes negócios entre pais e filhos ou netos onde a que a real intenção era fugir à legalidade, isto é, um negócio simulado. Em segundo lugar, porque no fundo não passam de meras doações, com o intuito de lesar profundamente os descendentes nas suas legítimas.
Assim a lei, em nome da clareza e da transparência pretendeu que estes negócios fossem consensuais no seio familiar e, para tal, exige o consentimento de forma a não correr o risco que tais negócios não viessem a ser considerados anuláveis ou simulados.
O carácter preventivo desta norma é fundado no receio ou perigo de simulações para esconder liberalidades (doações) por de trás de uma venda ardilosa e inventada, de forma que se pretendeu muralhar a utilização do instituto da compra e venda para evitar que se esconda uma doação.
Para alcançar este objetivo a lei exige o consentimento dos outros filhos ou netos na perspetiva de garantir que a venda não é simulada. A falta de anuência ou do seu suprimento, torna o acto anulável.
O consentimento
A anulação pode ser pedida pelos filhos ou netos que não deram o consentimento.
O regime da anulação encontra-se previsto no artigo 287º do CC e tem o prazo de um ano “ subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento”.
Este é um prazo de caducidade, ou seja, caso a ação de anulação não for proposta nesse prazo, caduca.
O consentimento para que seja válido é necessário a prova de que ele existiu e que foi prestado para este negócio em concreto.
Os efeitos anulatórios
De acordo com o artigo 289º n.º 1 do CC, a arguição da anulabilidade tem efeito retroativo, ou seja, anulado um negócio os seus efeitos não serão produzidos, em regra desde início.
O contrato promessa de compra e venda
Não é uma questão consensual e a doutrina diverge, se a lei proíbe a venda a filhos e a netos, naturalmente proibirá a celebração de contratos promessa entre ambos, será assim?
Certo é que havendo o risco de não haver consentimento de algum dos filhos ou netos, estes poderão requerer a anulabilidade do negócio.
Quanto ao prazo para invocar a anulabilidade? O art.º 877º n.º 2 indica que os filhos e os netos que não consentirem podem, num prazo de um ano, requerer a anulação do contrato.
Assim, concebamos o seguinte exemplo: os pais celebram um contrato promessa de compra e venda de um prédio para daqui a um ano (2024), com uma filha e seu marido.
Com a formalização do contrato promessa de compra e venda, os pais notificam por carta os restantes herdeiros da sua intenção e, desde logo, requerendo os seus
consentimentos. Nenhum se pronuncia. Volvido um ano, foi celebrada a escritura do imóvel. Poderemos considerar que o prazo estabelecido no nº2, do art.º 877º caducou?
Não parece possível que tal aconteça. Na verdade, o contrato prometido poderia não ser realizado devido, por exemplo a atrasos na construção do prédio. Logo, parece sensato o prazo decorrer apenas a partir da celebração da compra e venda e não da celebração do contrato promessa de compra e venda.