O regime do maior acompanhado é um mecanismo destinado a preservar a autonomia dos cidadãos que, por razões diversas, se encontram impossibilitados de exercer, sem o apoio de terceiros, os seus direitos e de cumprir os seus deveres ou cuidar do seu património, de modo consciente e livre. Ou seja, o regime legal do maior acompanhado visa a proteção daqueles que se encontram, por algum motivo, impossibilitados de, sem acompanhamento, reger a sua vida ou o seu património.
O novo regime veio, substituir os anteriores institutos da interdição e da inabilitação, muito estigmatizantes e pouco flexíveis. O aumento da população idosa em Portugal, por um lado, mas também a assinatura da Convenção de Nova Iorque sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, tornaram necessárias novas soluções que o novo regime procura dar resposta.
Qual é a diferença entre o regime do maior acompanhada e os anteriores regimes das interdições e inabilitações?
Em vigor desde 10 de Fevereiro de 2019, o regime jurídico do maior acompanhado veio substituir os anteriores regimes da interdição e inabilitação.
Ao contrário do que acontecia com os interditados e os inabilitados, o novo regime passou a ser mais flexível e adaptável às diferentes realidades, sempre com respeito pela dignidade, autonomia, e vontade do acompanhado que deixa de ser encarado como “incapaz” e substituído por outrem na tomada das decisões que lhe dizem respeito.
De um modelo de substituição, passámos a um modelo de acompanhamento em sintonia com os direitos dos acompanhados.
Ao invés de um tutor ou curador, existe agora um acompanhante que auxiliará o beneficiário na tomada de decisões.
Tal como no regime anterior, é o Tribunal quem decide se existem ou não razões bastantes para que se determine o acompanhamento e ação prossiga.
O tribunal procede à audição pessoal e direta do acompanhado, determina em sentença as medidas concretas a aplicar em cada caso, distanciando-se assim da situação de “incapacidade geral” aplicada aos interditos e que a lei equiparava aos menores.
O regime do maior acompanhado vem garantir ao beneficiário (ou ao seu representante legal) a escolha do seu acompanhante (143.º n.º 1 Código Civil).
Será, pois, o beneficiário a escolher quem será o seu (ou seus) acompanhante(s) e o tribunal deverá acatar essa escolha, salvo se o beneficiário não estiver em condições de fazer uma escolha livre e esclarecida.
O novo regime legal confere mais cuidados, liberdades e segurança aos maiores que se encontram impossibilitados, apresentando-se muito mais flexível em comparação com as interdições e inabilitações.
Existe de um maior respeito pela vontade e a autodeterminação do beneficiário, que não só pode requerer o acompanhamento como também lhe compete, em princípio, autorizá-lo.
A quem se destina a ação de maior acompanhado?
A ação do maior acompanhado destina-se aos maiores de idade que, por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, se encontrem impossibilitados de
exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres.
Existem patologias incapacitantes que, em determinados casos, impossibilitam os afetados de reger a sua pessoa e os seus bens. Estas patologias podem ser ordem
psíquica e mental ou de ordem física e são cada vez mais prevalentes numa população, como a portuguesa, cada vez mais envelhecida.
Nas patologias de ordem psíquica enquadram-se as doenças causadoras de demências.
Nas patologias de ordem física encontram-se as dificuldades de mobilidade, que impossibilitem a locomoção sem apoio de terceiros, a realização de atividades
quotidianas, como fazer compras, tratar da higiene pessoal, cuidar do lar, entre outros.
Também aqueles que padecem de deficiência mental poderão, por esse motivo, não conseguir reger a sua pessoas e bens.
Relativamente ao comportamento, existem comportamentos de risco, como o esquecimento da toma da medicação ou a sua toma em excesso, comportamento
pródigo, abuso de bebidas alcoólicas e estupefacientes, entre outros.
A lei não tipifica os comportamentos suscetíveis de fundamentar o acompanhamento, por isso, poderá enquadrar-se todo o comportamento que seja causa direta, pelo menos num domínio específico da vida, da falta de autodeterminação da pessoa.
Apesar da ação se destinar a maiores de 18 anos, esta pode, no entanto, ser requerida e instaurada no ano anterior à maioridade, para produzir efeitos a partir dessa data (art.º 142.º e 131.º do Código Civil).
Quem pode requerer a ação judicial?
O acompanhamento é requerido pelo próprio ou, mediante autorização deste, pelo cônjuge, pelo unido de facto, por qualquer parente sucessível ou, independentemente de autorização, pelo Ministério Público (art.º 141.º n.º 1 do Código Civil).
O próprio beneficiário pode desencadear a ação judicial, circunstância que consubstancia uma inovação do novo regime legal.
O acompanhado pode recusar o acompanhamento?
O beneficiário da ação de maior acompanhado deverá, em princípio, prestar o seu consentimento ao acompanhamento.
Caso o próprio não autorize o acompanhamento, e sempre que a ação judicial seja instaurada pelo cônjuge, unido de facto ou parente sucessível, o tribunal poderá suprir a falta de autorização do acompanhado. E isso sucederá sempre que o Tribunal considere existir razão atendível para que o processo prossiga.
Nos casos em que o acompanhamento é requerido ao tribunal pelo Ministério Público, não é necessária a autorização do acompanhado.
Em que consiste o acompanhamento e como é determinado?
O acompanhamento do maior visa assegurar o seu bem-estar, a sua recuperação, o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres, ressalvadas as exceções legais ou determinadas por sentença.
A ação de maior acompanhado inicia-se com a propositura da ação. Posteriormente, o juiz ouve o beneficiário da ação e, na maioria dos casos, determinar a realização de uma perícia médica que permita apurar a situação clínica em que se encontra o beneficiário, bem como o tratamento e o apoio adequados a este.
Depois de ponderadas todas as circunstâncias, e uma vez ouvido o beneficiário do acompanhamento, o juiz nomeia o acompanhante e discrimina, na sentença, os atos em três categorias:
- Atos que podem ser realizados pelo acompanhado livremente;
- Atos que devem ser praticados por ou com intervenção do acompanhante,
- Atos que o acompanhante só poderá praticar com a prévia autorização do tribunal.
O acompanhado pode, em princípio, praticar livremente negócios da vida corrente e exercer os seus direitos pessoais, designadamente os direitos de casar, de procriar, de perfilhar, de adotar, de cuidar e de educar os filhos (art.º 147.º do Código Civil).
Em função de cada caso e independentemente do que haja sido pedido por quem requereu o acompanhamento, o tribunal pode cometer ao acompanhante:
- O exercício das responsabilidades parentais ou dos meios de as suprir, conforme as circunstâncias. Assim acontecerá nas situações em que o acompanhado,
exercendo as responsabilidades parentais, esteja, por razões de saúde, deficiência ou comportamento, impossibilitado de plena, pessoal e conscientemente, cumprir os deveres. Nesses casos, competirá ao acompanhante auxiliá-lo; - A representação geral ou representação especial com indicação expressa, neste caso, das categorias de atos para que seja necessária, como, por exemplo, aceitar liberalidades, votar em assembleia geral, realizar negócios jurídicos.
- A administração total ou parcial de bens, nomeadamente gerir o património imobiliário;
- A autorização prévia para a prática de determinados atos ou categorias de atos, como, por exemplo, alterar a sua residência, alterar o médico ou o tratamento a que se encontra sujeito, ausentar-se do país;
- Intervenções de outro tipo, devidamente explicitadas, tais como o acesso a informação bancária, a intervenção para certas operações bancárias e a guarda de objetos valiosos ou preciosos.
- Os atos de disposição de bens imóveis carecem sempre de autorização prévia e específica do tribunal.
- O internamento do maior acompanhado também dependerá sempre da autorização expressa do tribunal, podendo, no entanto, e apenas em casos de urgência, ser imediatamente solicitado pelo acompanhante, sujeitando-se neste caso, à ratificação do juiz. (art.º 148.º do Código Civil).
Note-se que não há lugar a acompanhamento sempre que os deveres de assistência e cooperação a que um familiar ou um cônjuge, por exemplo, estejam obrigados se demonstrarem suficientes para a proteção da pessoa.
A decisão que determina o acompanhamento é definitiva?
Não. A sentença que determinou o acompanhamento pode ser revista em qualquer altura, de acordo com a evolução do acompanhado. Além disso, essa revisão é
obrigatória de cinco em cinco anos (art.º 155.º Código Civil).
Quem pode ser nomeado acompanhante?
O acompanhado tem a possibilidade de escolher o seu acompanhante.
No entanto, só o podem ser os maiores de idade em pleno exercício dos seus direitos, o que significa que não podem ser pessoas que estejam a ser elas próprias acompanhadas (art.º 143.º n.º 1 do Código Civil).
O acompanhado poderá escolher mais do que um acompanhante, cabendo ao tribunal delimitar as funções que devem ser exercidas por cada um deles.
Nos casos em que o acompanhado não exerça o direito de escolha, caberá ao tribunal decidir, devendo essa escolha salvaguardar o superior interesse do beneficiário (art.º 143.º n.º 2 do Código Civil). O tribunal pode designar como acompanhantes, designadamente: o cônjuge; pessoa com quem vive em união de facto; filhos maiores; avós ou mesmo uma pessoa da instituição que o acompanhado frequente ou onde, eventualmente, se encontre internado.
É possível substituir o acompanhante?
Sim. O Ministério Público, o acompanhado, o seu cônjuge, o unido de facto ou qualquer parente sucessível, bem como o próprio acompanhante podem solicitar ao tribunal a substituição da pessoa que exerce as funções de acompanhante.
O tribunal irá analisar as razões apresentadas para a substituição de acompanhante e decidir se estas a justificam (art.º 149.º do Código Civil).
O acompanhante é remunerado?
Não, o acompanhante exerce as suas funções de forma gratuita, podendo, no entanto, ser reembolsado das despesas que realize com o acompanhamento.
O acompanhante deverá ainda prestar contas ao acompanhado e ao tribunal, quando cesse a sua função, ou na sua pendência se tal for judicialmente determinado.